Casamento com separação de bens: ele realmente protege o seu patrimônio?
- Giovana Ody

- 30 de jul.
- 4 min de leitura
Entenda as limitações do regime de separação e como um planejamento complementar pode trazer mais segurança.
Resumo:
Esclarece mitos sobre o regime da separação de bens e mostra por que ele, sozinho, pode não ser suficiente. Explica a importância de testamentos, contratos e cláusulas societárias para blindar o patrimônio.
Objetivo:
Resolve a falsa sensação de segurança jurídica e amplia a consciência sobre proteção integral dos bens.

Quando se fala em proteção patrimonial no casamento, muitos acreditam que o regime de separação de bens é um “escudo jurídico” absoluto para a comunicação dos bens. No entanto, essa crença, embora comum, pode gerar uma falsa sensação de segurança. O regime da separação de bens tem, sim, um papel importante na autonomia patrimonial dos cônjuges, mas ele não é infalível, e tampouco dispensa um planejamento complementar.
A separação de bens pode ser convencional, escolhida pelos cônjuges por meio de pacto antenupcial, ou obrigatória, imposta por lei, como nos casos do art. 1.641 do Código Civil. Em ambas as hipóteses, cada cônjuge conserva a propriedade exclusiva dos bens adquiridos antes e durante o casamento, como regra geral. Porém, essa regra não impede, por si só, questionamentos futuros sobre comunhão de esforços ou aquisição conjunta de bens.
Com relação à separação obrigatória de bens é preciso referir que o Supremo Tribunal Federal (STF) ao apreciar o ARE 1.309.642 (Tema 1.236) que versa sobre a exigência de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis com pessoa maior de 70, decidiu que o regime de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos não é obrigatório, e que as partes podem escolher outro regime por meio de uma escritura pública.
A jurisprudência brasileira, inclusive, já reconheceu situações em que, apesar do regime de separação obrigatória, houve comunhão parcial de bens com base na teoria do esforço comum, especialmente em relações duradouras e com evidente colaboração mútua. O Supremo Tribunal Federal (RE 646.721) decidiu que, nos casos de separação obrigatória, é possível a comprovação do esforço comum para fins de partilha. Isso revela um importante limite à ideia de blindagem automática.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao decidir os Embargos de Declaração Cível, Nº 70085836112 em uma ação de dissolução de união estável. A controvérsia girava em torno da partilha de um imóvel adquirido onerosamente durante a convivência. Embora o casal tenha se casado posteriormente sob o regime de separação total de bens, o imóvel foi considerado bem comum, pois foi adquirido por meio de cessão de direitos hereditários no curso da união estável. O Tribunal rejeitou o recurso, confirmando a partilha igualitária do bem e a necessidade de liquidação da sentença para apurar o valor das benfeitorias feitas no imóvel. Ficou estabelecido que só seriam excluídas da partilha as melhorias realizadas após o casamento, salvo prova de que ambos contribuíram financeiramente.
Esse caso demonstra que o regime de separação de bens, adotado posteriormente, não impede a partilha de bens adquiridos anteriormente à sua vigência, reforçando a importância de um planejamento patrimonial completo e preventivo.
Como afirma Maria Berenice Dias, “o regime de bens, por si só, não resolve todas as questões patrimoniais, especialmente quando se trata da proteção de patrimônio empresarial ou de bens de origem familiar”. Isso porque o regime trata apenas da titularidade e administração de bens entre cônjuges, mas não regula disposições sucessórias, nem resguarda a empresa de uma futura intervenção familiar.
Nesse sentido, Giselda Hironaka destaca que “a separação de bens é útil, mas limitada. O verdadeiro planejamento patrimonial exige medidas que ultrapassam o campo do regime de bens, como contratos específicos, cláusulas societárias e testamentos”.
É comum, por exemplo, um cônjuge integrar uma sociedade empresarial, sem cláusula de incomunicabilidade ou de sucessão restrita no contrato social. Em caso de falecimento, o outro cônjuge pode, mesmo com separação de bens, figurar como meeiro ou herdeiro e, assim, ter acesso direto ou indireto à estrutura empresarial. O que inicialmente parecia seguro, pode se transformar em uma disputa societária.
Além disso, o testamento é outra ferramenta fundamental para quem deseja reforçar a proteção patrimonial. Ele permite a destinação de até 50% do patrimônio (parte disponível) para pessoas específicas, resguardando parte dos bens do cônjuge ou companheiro, mesmo em regimes mais protetivos. O uso do testamento também reduz disputas familiares e assegura que a vontade do titular prevaleça.
Outro instrumento importante é o contrato de convivência ou pacto antenupcial bem elaborado. Como ensina Pablo Stolze Gagliano, “a liberdade contratual no Direito de Família, desde que respeitados os princípios constitucionais, pode e deve ser exercida com responsabilidade preventiva”. Ou seja, é possível inserir cláusulas sobre administração de bens, divisão de responsabilidades e mesmo regras sucessórias, dentro dos limites legais.
Planejamento patrimonial eficaz também deve envolver medidas preventivas nas empresas familiares, como a holding, o acordo de sócios e a previsão de cláusulas de sucessão empresarial. Essas estratégias não se confundem com o regime de bens e são especialmente importantes para casais com patrimônio relevante ou negócios em comum.
Por fim, é essencial compreender que a proteção de bens não é um ato isolado, mas um processo contínuo, que exige diálogo, documentação precisa e assessoria jurídica qualificada. A separação de bens pode ser um ponto de partida, mas jamais deve ser o único instrumento de proteção.
Só a separação de bens não resolve tudo. Se você deseja uma proteção patrimonial verdadeiramente eficaz, busque orientação especializada. Entender o seu contexto familiar, empresarial e afetivo é o primeiro passo para construir segurança jurídica com equilíbrio e clareza.



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